A lesão medular traumática ocorre quando um evento traumático, como o associado a acidentes automobilísticos ou motociclísticos, mergulho, agressão com arma de fogo ou queda resulta em lesão das estruturas medulares interrompendo a passagem de estímulos nervosos através da medula. A lesão pode ser completa ou incompleta. A lesão é completa quando não existe movimento voluntário abaixo do nível da lesão e é incompleta quando há algum movimento voluntário ou sensação abaixo do nível da lesão. A medula pode também ser lesada por doenças (causas não traumáticas), como por exemplo, hemorragias, tumores e infecções por virus.
A Medula Espinhal
O sistema nervoso central é formado pela medula espinhal e pelo encéfalo. A medula é constituída por células nervosas (neurônios) e por longas fibras nervosas chamadas axônios, que são prolongamentos dos neurônios e formam as vias espinhais. As vias descendentes conduzem sinais gerados no cérebro relacionados com o movimento e o controle visceral (sistema nervoso autônomo). As vias ascendentes conduzem sinais relacionados com a sensibilidade que são gerados na periferia e são levados para o cérebro. Muitos dos axônios são envolvidos por bainhas que contêm uma substância complexa constituída por gordura, chamada mielina, que permite que a condução dos estímulos nervosos seja mais rápida. Os neurônios estão localizados na parte mais central da medula, na substância cinzenta medular, que tem a forma de uma borboleta. Os neurônios localizados nas porções mais posteriores são relacionados com a sensibilidade e os localizados nas porções anteriores, os neurônios motores inferiores, são relacionados com o movimento.
A medula espinhal é organizada em segmentos ao longo de sua extensão. Raízes nervosas de cada segmento inervam regiões específicas do corpo. Os segmentos da medula cervical são oito (C1 a C8) e controlam a sensibilidade e o movimento da região cervical e dos membros superiores. Os segmentos torácicos (T1 a T12) controlam o tórax, abdome e parte dos membros superiores. Os segmentos lombares (L1 a L5) estão relacionados com movimentos e sensibilidade dos membros inferiores. Os sacrais (S1 a S5) controlam parte dos membros inferiores, sensibilidade da região genital e funcionamento da bexiga e intestino.
Ao nível cervical, as raízes emergem acima da vértebra correspondente (a segunda raiz cervical emerge acima da segunda vértebra cervical). As demais raízes emergem abaixo da vértebra correspondente (entre a 4ª e a 5ª vértebras lombares emerge a 4ª raiz lombar).
A coluna é forrmada, em média, por 33 vértebras (7 cervicais, 12 torácicas, 5 lombares, 5 sacrais e 4 ou 5 coccígeas). O crescimento desigual entre a coluna e a medula faz com que não exista correspondência entre a vértebra e o segmento medular subjacente. Ao nascimento, a porção terminal da medula, o cone medular, se localiza na altura da segunda vértebra lombar. No adulto, entre a décima segunda vértebra torácica e a primeira vértebra lombar. Abaixo desses níveis, encontramos apenas raízes nervosas, que constituem a cauda eqüina. Como regra, costumamos somar dois ao número da vértebra para estimar o segmento medular correspondente, ou seja, em correspondência à oitava vértebra torácica temos o décimo segmento torácico medular.
Esses conhecimentos são importantes para a compreensão das lesões medulares traumáticas. As lesões medulares incompletas são classificadas como: síndrome medular anterior, síndrome medular posterior, síndrome central, síndrome hemimedular e síndrome radicular (inclui a síndrome da cauda eqüina).
Nas síndromes medulares anteriores, há comprometimento dos dois terços anteriores da medula, que se manifesta por déficit motor e sensitivo abaixo do nível da lesão, sendo que a sensibilidade profunda (vibratória e noção da posição de partes do corpo no espaço) está preservada. Essa síndrome sugere uma compressão anterior da medula como a associada a hérnias de disco traumáticas ou a lesões isquêmicas secundárias.
As síndromes medulares posteriores caracterizam-se por comprometimento do cordão posterior com prejuízo da noção da posição de partes do corpo no espaço. Existe distúrbio da marcha (base alargada com levantar excessivo das pernas para em seguida projetá-las sobre o solo tocando o calcanhar no chão) e nas lesões cervicais, da destreza em membros superiores com incoordenação que se acentua com a privação da visão durante os movimentos.
As síndromes centromedulares de origem traumática são mais freqüentes em pacientes que já apresentavam canal cervical estreito, como o associado a processo degenerativo de articulações intervertebrais (espondiloartrose), e que sofrem lesão relacionada com hiperextensão cervical. Existe comprometimento mais importante da substância cinzenta cervical, que leva a fraqueza e atrofia em membros superiores, com menor envolvimento motor de membros inferiores (esses pacientes, em geral, não podem andar) e sem alteração sensitiva importante.
As lesões hemimedulares, conhecidas como síndrome de Brown-Séquard, são raramente associadas a lesões traumáticas. Caracterizam-se por paralisia e alteração da noção da posição de um lado do corpo no espaço (lado da lesão) e perda da sensibilidade para dor e temperatura do lado contrário à lesão.
Alguns pacientes apresentam apenas lesão de raiz associada ao trauma, ao nível da fratura espinhal. Isso ocorre com mais freqüência na região cervical e se manifesta por dor no trajeto da raiz, fraqueza e atrofia nos músculos inervados por essa raiz.
Quando o trauma ocorre abaixo de L1, apenas as raízes da cauda eqüina são comprometidas. Observa-se fraqueza e atrofia assimétrica em membros inferiores (predomínio da fraqueza distal, afetando principalmente os músculos que fazem a flexão e a extensão do pé e dos dedos), com diminuição persistente do tônus muscular e dos reflexos tendinosos dos membros inferiores. Pode haver retenção urinária.